Por anos e anos eles são objetos de desejo de meninas e adolescentes. Qual garota já não se pegou sonhando em um dia usar um dos vestidos majestosos e imponentes da realeza da Festa Nacional do Pinhão? A cada edição, dezenas de candidatas se preparam para serem as escolhidas e, dentre tantas atribuições, desfilar com as vestimentas oficiais do maior evento cultural e gastronômico do Sul do país, é motivo de orgulho.
Com o passar do tempo, eles também evoluíram, e uma nova expectativa surgiu. Como será o vestido oficial deste ano? Ganharam novas propostas, mais adereços, babados, adornos, tecidos diferentes, bordados e pedrarias. Um ar moderno e contemporâneo, que acompanha a moda atual, sem deixar de ser um clássico digno de princesas e rainhas. Não são apenas os vestidos usados pelas soberanas do nosso maior e mais representativo evento, eles contam a história da nossa terra, a cultura centenária da Serra Catarinense, dos campos gelados.
E isso impõe muita responsabilidade aos criadores dessas verdadeiras obras de arte, que ficarão registradas na galeria histórica dos vestidos da Festa do Pinhão. Uma ordem cronológica que desperta a curiosidade e interesse das pessoas, que acompanham cada detalhe, de cada nova edição.
Há aproximadamente 15 anos, com alguns intervalos, o La Unica Ateliê, da estilista Berenice Lopes Omizzolo, foi incumbido da missão de criar e costurar os trajes e vestidos oficiais da realeza da Festa do Pinhão. Seu esposo, o alfaiate Setimo Omizzolo, por muitos anos também produziu as coroas das princesas e da rainha.
E como o talento na arte da alta costura muitas vezes é passado de geração para geração, a filha e também estilista, Ana Lopes, assumiu a parte de criar e personalizar os vestidos. Este é o segundo ano que as peças são obras de seu processo criativo. A parte da produção ainda conta com o auxílio de sua mãe, Berê, e de pelo menos mais cinco pessoas que trabalham no ateliê, ajudando na costura e nos bordados.
Trajes de passeio trazem tendências da moda
Ao todo, a realeza conta com quatro trajes de compromissos oficiais, sendo dois mais informais, um de passeio, e o vestido que será usado em eventos de divulgação e durante a própria Festa do Pinhão. O primeiro look geralmente é pensado e criado num curto espaço de tempo, considerando que a estilista precisa esperar o concurso e a escolha das princesas e da rainha acontecer e logo em seguida apresentar a vestimenta para os primeiros compromissos.
Este ano, o primeiro traje trata-se de uma calça de couro caramelo e uma camisa de tecido mais leve, na cor lilás. O segundo é uma calça azul marinho, compondo com uma blusa de renda e bordados em pérolas, já lembrando as cores do vestido oficial. O terceiro traje passeio, para eventos mais sofisticados, usado principalmente à noite, é um vestido de tweed na cor preta com bordados em alto relevo, tecido nobre muito utilizado no inverno e em alta nas vitrines mundiais. O vestido conta com sobreposições de renda, causando efeitos de luz e sombra. “Sempre buscamos inspirações no que está na moda no momento, as tendências, tentando criar peças que instiguem outras meninas a querer participar do concurso e usar as peças”, comenta a estilista.
Este ano a novidade é a parceria com a empresa lageana de calçados artesanais Santíssima Catarina, que fabrica calçados em tamanhos especiais. “Devido a esta parceria, muito importante, pensamos no look destacando o calçado, que este ano está compondo um vestido curto com uma bota mais overside no estilo cowboy. As outras botas, usadas com os outros trajes, são peluciadas por dentro, pensando no frio mais rigoroso desta época”, conta Ana Lopes.
Sustentabilidade e a “geada” foram inspirações deste ano
Pensar em um tema diferente a cada ano nem sempre é uma tarefa fácil. Superar expectativas e ao mesmo tempo manter-se no propósito de contar a história e cultura da região através dos vestidos vem sendo o maior desafio a cada edição. “Todos os anos os vestidos são pensados para que tenham exuberância e realmente aguce a curiosidade das pessoas. Não é fácil superar as expectativas a cada ano. No ateliê temos um lema de que os vestidos contêm a história da Serra Catarinense, para que as pessoas de fora possam identificar facilmente nossa cultura através dos trajes, aproveitando os olhares que estão direcionados para a realeza e assim divulgar a nossa cidade”, comenta.
No ano passado, as crianças da rede pública municipal de ensino foram inseridas na criação dos vestidos, através de um concurso de desenhos na Emeb Mutirão, do bairro Habitação. Os bastidores bordados com os melhores desenhos foram aplicados nos vestidos, contando a história de Lages.
Este ano, o tema sustentabilidade norteou o trabalho, trazendo reflexões sobre os impactos no meio ambiente que podem ser reduzidos através da reciclagem. “Queria algo inovador. Não pretendia mais trabalhar somente com lã e pedrarias. Então surgiu esta pauta de sustentabilidade e comecei a pesquisar os trabalhos artesanais com garrafas pets. Fiz alguns testes e vi que dali poderia sair flores e ornamentos lindos, e acabei me apaixonando pelas inspirações”, conta a estilista.
Todos os ornamentos do vestido são feitos de garrafas pets, desde as flores até as araucárias, compondo com rendas brancas e bordados em pedrarias. A ideia é realmente lembrar a geada serrana e o brilho reluzente nos primeiros raios de sol da manhã. A cor, azul marinho, em um tom forte e mais fechado, remete ao céu escuro do entardecer.
A proposta, além de inovadora e atual, traz consigo reflexões e conscientização sobre o meio ambiente e a biodiversidade da Serra Catarinense. “Todo ano reclamamos que temos cada vez menos pinhão e isso é um sinal de que a natureza pede ajuda. Então precisamos fazer nossa parte, um ato de amor pelo meio ambiente pode começar dentro de casa, separando o lixo reciclável. É muito bonito poder falar sobre isso, pesquisei bastante para tratar do assunto com mais propriedade”, afirma Ana Lopes.
O tecido utilizado também é sustentável. É feito com resíduos de algodão que seriam descartados nas indústrias, o que proporciona menos emissão de gás carbônico na sua fabricação, cerca de 50%. É um tecido leve e quentinho para o inverno serrano. “Tivemos vários eventos de moda que mostraram que os pets e o reciclado estão em alta, o que me deixou menos insegura e com a certeza de que estávamos no caminho certo”, finaliza.
Expectativas superadas
A reação da rainha, Mariane de Carvalho Vialli, a primeira princesa, Ana Maira Scos da Rosa de Oliveira, e a segunda princesa, Maria Gertrudes Brusius, foi de uma grande satisfação ao ver e vestir pela primeira vez as peças criadas especialmente para elas, com suas medidas e depois de muitas provas. “Tínhamos muita expectativa, pois já sabíamos do contexto e do tema, então imaginávamos que seria algo surpreendente, que nos fizesse refletir muito sobre a questão ambiental. Adoramos”, ressalta a primeira princesa, Ana Maira.
Para a rainha Mariane, receber o vestido foi uma experiência única que se transformou em emoção. “Foi uma trajetória muito legal até chegarmos ao resultado. Já conhecia o trabalho que o ateliê sempre entregou e sabíamos que seria maravilhoso. Com certeza marcou a minha vida”, afirma. E para a segunda princesa Gertrudes, o vestido ficou perfeito, não só pela estética, mas pela história que ele representa.
Texto: Aline Tives
Fotos: Ary Barbosa de Jesus Filho