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Seja por meio de livros ilustrados, desenhos animados ou até de antigos disquinhos coloridos, todo mundo conhece Branca de Neve, Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho e A Gata Borralheira (hoje mais famosa como Cinderela), só para citar algumas das muitas histórias dos irmãos Grimm. Nem todos, no entanto, sabem da origem e do profundo significado cultural dessas narrativas populares. Talvez seja esse o maior mérito da rica edição de Contos dos irmãos Grimm, que traz 53 histórias acompanhadas de belas ilustrações do mestre vitoriano Arthur Rackham (1867-1939) e apresentadas pelo prefácio da analista junguiana Clarissa Pinkola Estés.

No longo e precioso ensaio A terapia dos Contos, que abre o livro, a Dr.ª. Clarissa Pinkola Estés (autora de Mulheres que correm com os lobos, publicado no Brasil pela Rocco) discorre sobre a história, a moral e o simbolismo das narrativas compiladas pelos Grimm no início do século XIX. Numa época sem rádio, televisão e computador, quando mesmo a escrita era um luxo para poucos, os hoje chamados contos de fadas eram passados de geração para geração de europeus, para serem contados em família, à noite, junto ao fogo. Dependendo do narrador e da audiência, eram histórias em maior ou menor escala carregadas de sexo e violência, escatologia e sátira social.

A frase “… e viveram felizes para sempre” originalmente não se aplicava às irmãs malvadas e invejosas de Cinderela, que tinham seus olhos arrancados por pássaros no final da história. Registradas por escrito pelos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, as narrativas orais ganharam formato definido, contos de fadas de dez páginas com tom educativo para o público infantil, com o qual são conhecidos mundo afora até hoje. A nova edição de Contos dos irmãos Grimm, com seleção e prefácio explicativo da Dr.ª. Clarissa Pinkola Estés resulta num livro obrigatório para os apreciadores do gênero, trazendo os mais belos contos acompanhados de sua história.

Clarissa é analista junguiana, com mais de 20 anos de prática, tendo sido diretora-executiva do C. G. Jung Center, em Denver. Doutora em estudos multiculturais e psicologia clínica pelo The Union Institute, ela é autora premiada por trabalhos como The wild woman archetype, sobre o papel dos instintos da natureza feminina, Warming the stone child, sobre crianças sem mãe, In the house of the ridle mother, sobre os arquétipos recorrentes em sonhos de mulheres e The radiant coat, sobre as fronteiras entre a vida e a morte.

Arthur Rackham é o principal responsável pela concepção visual dos contos de fada, tal como os conhecemos hoje; com um talento ímpar garantiu que seu trabalho fosse reconhecido até hoje. Seu grande conhecimento em anatomia fez com que seus personagens humanos refletissem um verdadeiro aspecto de ossos sob pele. A isso se soma a habilidade de colorista, com profunda percepção de cores intensas, na terminologia contemporânea: escarlate, vermelhão, terra verde, azul ultramarinho. Suas versões de gigantes, ogros, bruxas, reis, rainhas, servos, entre outros personagens, são referência na concepção dos contos de fadas, compreendem uma concepção medieval e simbolizam uma sociedade com diferentes divisões destas que conhecemos hoje. As ilustrações de Rackham são belas obras de arte, são fantasmagóricas, possuem sublimidade, denotam fome, distorção de escala, ofendem a perfeição e ilustram anomalias de todo tipo, abrigam componentes extremamente simbólicos, poética e politicamente antigos.

 

Fonte: Livraria da Travessa